terça-feira, 23 de setembro de 2008

GARRAIADAS...


Começo a padecer de alguns sintomas que me sugerem estar a caminhar, em jeito galopante, para a terceira idade. A par de uns quantos charmosos cabelos brancos que me vão aparecendo pela região capilar, deparo-me agora com a incapacidade de situar determinados episódios e momentos nas devidas circunstâncias de tempo e lugar. Porém, se no devido tempo era da opinião que a Garraiada era o evento mais fascinante da Queima das Fitas em Coimbra, ainda hoje perfilho esse entendimento. A assustadora incapacidade de "localizar" temporalmente as minhas noites de Queima enquanto estudante, não só nos dias mas, até, nos anos, é um dado adquirido. Não se duvida. Mas hoje, enquanto percorria a pé aqueles metros até ao Estádio D. Afonso Henriques, tive o privilégio da companhia do Pedro, irmão do meu amigo João Ildo, e logo me recordei da minha última Garraiada enquanto estudante, ou seja, a do ano de 2004. Porque é que me recordo desta? Pois bem, se assim é... acompanhem-me por favor.

Nos meus tempos académicos, ainda precedentes da reforma de Bolonha, a Garraiada era ao Domingo na simpática localidade costeira da Figueira da Foz. O espírito da Garraiada consistia pois na saída do Parque da Queima directamente para a estação de comboios, com destino à Figueira, num comboio gratuito e com 3 dúzias de gente embriagada por cada 2 metros quadrados. Não me esquecerei muito facilmente daqueles que iam até à Figueira só com as pernas dentro do comboio, ou de aqueloutros que aproveitavam para descansar um pouco, deitados sobre as barras de metal que servem para pôr as malas, por cima dos bancos do comboio, tipo carnes expostas no talho. Nesse ano de 2004, encontrei, ainda no Parque, na noite de Sábado para Domingo, o Pedro, irmão do meu amigo Ildo. Combinámos, já de manhã, ir à Garraiada no tal "comboio embriagado". Pedi-lhe meia-hora para ir a casa trajar-me a rigor, maxime, vestir o trajo académico. Ele anuiu. Assim, ainda em casa e já trajado a preceito, resolvi ligar ao Pedro, irmão do meu amigo Ildo, averiguando por onde andava. Percorri o "p" da lista telefónica do meu telemóvel até chegar ao "Pedro Ildo". Premi a tecla verde e estava prestes a iniciar a conversação. Apercebendo-me que, do outro lado da linha, o outro interlocutor também havia premido a tecla verde (do seu telemóvel, claro), de imediato soltei o seguinte cumprimento: "Como é, filho da puta?". Para as almas menos "anortizadas", impõe-se aqui um breve esclarecimento. A expressão por mim utilizada ("filho da puta") chega, por mais estranho que possa parecer, a nem ser palavrão. Partindo do pressuposto que a conversa iria decorrer entre 2 nortenhos, o uso do vernáculo descrito daria origem a um início excelente. Se juntarmos o facto de os 2 intervenientes serem, não só nortenhos como também vimaranenses, o uso da referida expressão demonstra ainda que a conversa não poderia ter começado com maior afecto ou harmonia. Em suma, foi aquele "filho da puta" que todos dizemos quando ouvimos uma conferência de imprensa do José Mourinho - é, pois, a expressão verbal mais condizente com um estado de honesta admiração.

Pelo descrito se influi que a conversa fluia serenamente, tal qual como no Reino da Dinamarca. Tudo graças àquele "como é, filho da puta?". Até que, a esta pergunta surgiu a resposta, lá do outro lado da linha. E a resposta foi "Rica???". Durante milésimos de segundo não reconheci a voz do outro lado. Findos esses milésimos de segundo, a harmonia e o afecto que deram início à conversação viriam a sofrer uma pequena nuance: a constatação de que, do outro lado da linha, o interlocutor não era afinal o Pedro, irmão do meu amigo Ildo, mas sim o seu PAI (do Pedro e do meu amigo Ildo)! Afinal, o número que eu tinha no meu telemóvel não era do Pedro, mas sim do seu pai... Tudo bem que o seu pai também seja vimaranense, mas "anortizar" assim a conversa com o primeiro homem que me viu nú (era o meu pediatra, leia-se...), era um exagero maior do que os explosivos manuais fabricados pelo Macgyver com uma chave de fendas, um fósforo e um maço de tabaco...

Vi-me assim "com a cabeça na guilhotina". Restava-me operar todos os esforços possíveis para não fazer "soltar a lâmina que me cortasse o pescoço". As hipóteses à vista seriam:


1- Tentar justificar o injustificável, caindo num rol de infrutíferas explicações sobre a "nortização" do conceito de "filho da puta";


2- Em busca do primeiro objectivo, tentar exprimir-me de alguma forma, uma vez que eram 7 e tal da manhã e eu tinha bebido um "camião" de álcool;


3- Na sequência do segundo objectivo, tentar não emitir sons estranhos, tais como o "enrolamento" de algumas palavras de dicção mais exigente, como se estivesse a vomitar.


Perante este campo de decisão, optei por... nenhuma delas! Ao invés, e instintivamente até, premi de imediato a tecla do meu telemóvel do lado oposto àquela verde, que havia dado início a esta conversação agora menos afectuosa ou harmoniosa: a tecla vermelha. Quebrei, portanto, aquela conversa. Agora com um dado novo: em vez de me preocupar em não fazer soltar a lâmina que me cortasse o pescoço, coloquei-me num estado em que desconhecia se havia feito soltar essa lâmina ou não. Tanto melhor assim. E até agradecia morrer ignorante neste capítulo... E no momento seguinte a este quebrar de conversação soltei um "Foda-se!!!". Para logo de seguida ficar a olhar fixamente para o meu telemóvel, incapaz de soltar uma palavra. Mas centremo-nos nesse "foda-se". Também aqui, para os menos "anortizados", esta expressão chega a nem ser um palavrão. Ponderadas as atenuantes de stress e vergonha impulsionadas pela situação descrita, o uso do referido vernáculo tem o intuito de ilustrar verbalmente um momento verdadeiramente marcante da existência de quem o profere, ao ponto de o próprio (o momento) se eternizar. Em suma, foi aquele "foda-se!" que todos dizemos ao vermos a cena épica de sexo entre Halle Berry e Billy Bob Thornton em Monster's Ball, ou a notável performance de Scarlett Johansson em Match Point - é, pois, a expressão verbal mais condizente com um estado de franca admiração.

Resta pois saber o desfecho da estória. Neste tocante, diga-se que o pai do Pedro, e do meu amigo Ildo, resolveu ligar a este último. Perante a chamada, o meu amigo Ildo decidiu atender. Do outro lado, o seu pai atirou: "Porque é que o Rica me ligou a esta hora?". O meu amigo Ildo, ao premir a tecla verde do seu telemóvel, colocou a sua cabeça na guilhotina... Cumpria-lhe fazer de tudo para que não se soltasse a lâmina que lhe cortasse o pescoço. A saber:


1- Tentar justificar o injustificável, uma vez que ele não sabia "puto" do que se tinha passado;


2- Em busca do primeiro objectivo, tentar exprimir-se de alguma forma, uma vez que eram 7 e tal da manhã e ele tinha bebido 2 "camiões" de álcool;


3- Na sequência do segundo objectivo, tentar não emitir sons estranhos, tais como o "enrolamento" de algumas palavras de dicção mais exigente, como se estivesse a vomitar.


Perante este campo de decisão, o meu amigo Ildo, ao invés de mim, optou pela segunda hipótese. Pelo meio, incorreu na terceira. E com isso, fez soltar definitivamente a lâmina, que lhe cortaria o pescoço...


Um forte AMPLEXO

6 comentários:

Mestre Pedroto disse...

ESPECTACULAR!!!!!

Anónimo disse...

Cativante é a palavra que melhor exprime o que eu penso do que escreves.
Está demais!!!

Fujiru Mac Ako disse...

Vai-te foder!! Foda-se, és o maior!!

Fujiru Mac Ako disse...

Com as palavras acima "ditas" por mim, apenas quis "eternizar" o post e o seu criador, mas como ele não percebeu que vinham de um vimaranense e no seguimento do seu post.... FODA-SE

Enrique Cimento disse...

Sempre es o Maior, afinal es muito MAIOR q o tuni....

Anónimo disse...

Meu amigo rica, deixa.me que te diga. Nao perdi tempo algum eheheh...mas ja disse ao D.Pedro(pai do ildo) pa vir ler esta estoria ahahahah. Aqui neste teu novissimo blog.Parabens.