sexta-feira, 12 de setembro de 2008

INSTINTO DE SOBREVIVÊNCIA

Em meados de Agosto de 2005, seguia no meu 2º inter-rail pela costa da Bulgária, mais concretamente em Varna. Fazia-me acompanhar do meu amigo Giovanni, siciliano, a quem endereço desde já um saudoso abraço (amigo, oportunamente, traduzirei este post para siciliano para que o possas ler). Subitamente, enquanto nos dirigiamos para a praia num autocarro apinhado de gente, o meu amigo Giovanni foi categoricamente esbulhado no seu património por uma jovem búlgara de ar ternurento, que lhe subtraiu a carteira. Giovanni, homem de boa rés, sentiu profundamente no seu estado animico a densidade daquele acto criminoso. Uma tarde de incertezas quanto ao facto de ter sido roubo ou não, de confirmação de que, efectivamente, o roubo houvera sido uma realidade e de queixas numa esquadra de polícia em que a lingua inglesa era uma encantadora raridade, e o venire da inadiável decisão: do "fim da linha" na viagem do Giovanni, o "The End" anunciado da aventura sobre carris, como o final infeliz do soldado que não mais regressa a casa ou a separação dos amantes que em todo o filme indiciavam ficar juntos. Perante o sucedido, fui forçado a optar por entre 3 campos de decisão. A saber:
Primus- Igualaria formalmente a decisão do meu amigo e companheiro de viagem, regressando também eu a casa, a este paraíso à beira-mar plantado;
Secundus- Igualaria materialmente a decisão do Giovanni, regressando com ele a sua casa, repita-se, à Sicília, gozando do conforto que me poderia ser proporcionado nessa ilha que, até então, não conhecia;
Tertius- Continuava sozinho o inter-rail a partir do ponto em que me encontrava, até ao último dia de validade do meu bilhete, sendo que nunca tinha antes viajado sozinho, pelo menos a esta dimensão.
Resumindo, a escolha que me restava era simples: ora opto pelo conforto e não me chateio por aí além, ora opto por gozar o que restava das minhas férias a "sobreviver". A páginas tantas, talvez estranhamente, optei pela terceira das hipóteses. Então, dei 50 euros ao meu amigo Giovanni para que se alimentasse no seu regresso e dei continuidade áquela aventura sozinho. E decidi que a costa da Roménia seria o meu próximo destino. Assim, parti para Bucareste. Estava entregue ao mundo. O meu passaporte, o meu bilhete de comboio, os meus cartões multibanco e a minha mochila atolada de roupa eram os meus únicos e fieis amigos. Após um episódio mais ou menos dantesco dentro do comboio, ainda em Varna, em que por pouco não fiquei sem o bendito passaporte, fiz-me acompanhar, desta feita, por um persistente pensamento: "se sobreviver a isto, sobrevivo a tudo!". E ainda deambulava sobre esta máxima quando, já na Roménia, em direcção à costa, fui abordado dentro de um comboio por um sujeito. Fiquei a saber que ele era romeno. Fiquei a saber ainda que aquele indivíduo bebia imenso, que sofria de um desgosto amoroso e que havia sido abandonado. Fiquei a saber que aquele homem, que conheci por acaso, por mero fortuito, se dirigia para o mesmo sítio que eu para tentar pôr fim à vida. O homem era sinistro e assustador. Não acreditava que eu era advogado-estagiário e pediu-me que o provasse. Pediu-me os meus documentos, inclusive. Insultava tudo o que se cruzasse com ele naquele comboio, como se não houvesse amanhã. Disse-lhe que me ia encontrar com amigos que já me esperavam há 1 dia. O sujeito - e bem - não acreditou. E começou a insistir em vir comigo. E estava eu ali, a tentar sobreviver... E a ter de lidar com aquilo...
Por isso, comecei a desejar, realmente, que o dito homem se afundasse no Mar Negro... Não sei se o conseguiu, se não, mas a dinâmica ali presente foi perfeita: de um lado a sobrevivência, do outro a rendição. E se estou aqui a contar isto, então fui bem sucedido... Portanto, sou hoje um homem mais convicto. Porque, como ordena a máxima, "sobrevivi àquilo, logo sobrevivo a tudo o resto"...

2 comentários:

Anónimo disse...

Como eu gosto de ler as tuas aventuras :)

Mestre Pedroto disse...

Péricles, sim, porque tu para mim nos blogs, escrevas onde escreveres sérás sempre o Péricles, esta tua ideia de criares um blog tá do melhor mesmo, mas imagino que tenhas passado um mau bocado, já que ao contrario da escrita, a informatica não é o teu forte certamente! Abraço!